Eloy - 1ª Parte
O Eloy e a Nancy, sempre foram mais do que primos, pois, fomos
criados juntos.
Eles, moravam na casa grande, da esquina, e nós, duas casas
depois, mas no mesmo terreno com acesso por trás da casa do tio Fábio, que
ficava entre as duas casas.
O Eloy era tetraplégico, e como sempre convivi com isso, criada
com ele, para mim, isso era tão natural como a minha deficiência visual.
Até bem pouco tempo, eu não tinha me dado conta que eramos diferentes:
deficientes.
Muito pelo contrário.
Eu me sentia privilegiada por morar em um lugar tão, gostoso, com
horta, pomar, quadra e piscina.
Tudo era natural.
A maioria das minhas lembranças são ligadas aos momentos que
passei com esses meus primos.
O fato do Eloy ser tetraplégico, em nenhum momento fez com que eu
o visse diferente.
Talvez eu tivesse perguntado sobre isso quando era muito pequena,
e a resposta deve ter sido satisfatória, para uma criança, que se contenta com
explicações simples.
Uma vez, me lembro de ter perguntado se ele nasceu assim, e a
minha avó me disse que, só perceberam quando ele atingiu a idade de começar a
sentar, engatinhar, e seu corpo não se sustentava sozinho.
Sempre fez parte da minha rotina, ficar com ele, saber como tinha
passado a noite, ou correr comportilhar alguma coisa que tinha me acontecido...
Muitas vezes, cheguei na casa deles, antes mesmo de acordarem, e
ele ainda estava ma cama, para onde só ia
na hora da dormir.
Ele passava o dia, em um sofé-cama que ficava no quarto dele, seu oásis,
que tinha tudo o que ele gostava: gravador de rolo para ouvir suas músicas
preferidas, a primeira TV da casa, um grande aquário, um enorme vitro, que dava
para o jardim, que pegava quase toda a parede, e permitia uma visão panorâmica do
jardim da frente da casa e para praça, do outro lado da rua.
A posição que ele ficava, era mais ou menos a mesma: com a perna
direita quase esticada, e outra quase totalmente dobrada para trás, ao longo do
corpo.
Os braços também tinham as posições parecidas, tanto de bruços como
recostado nos travesseiros, no sofá-cama.
Ele tinha um cuidador, que o carregava da cama para os sofá, ajudava
nas necessidades fisioiógicas, no banho, vestia suas roupas, dava água em uma
espécie de garrafinha com canudo, comida, ajeitava seus três travesseiros
quando estava sentado, ou o virava de bruços quando se cansava de ficar na
mesma posição.
O quarto dele, era incrível! Lindo, iluminado, alegre... Com duas
paredes pintadas de verde claro, mas vibrante, e duas com papel de parede
texturizado, em verde bandeira.
Tinha duas portas, uma em frente à outro.
Uma, com saída direta para a lateral do jardim, e a outra para o
corredor interno da casa.
As portas eram envernizadas, com batentes pintados de branco, e
tudo combinava perfeitamente com a colcha da cama e as cortinas do mesmo
estampado com vários tipos de folhas e tons de verde.
Sua cama, foi feita sob medida, imitando um sofá, que durante o
dia, era decorada com almofadões e na cabeceira, dois interruptores embutidos:
um, para acender a luz, e outro, para acionar uma campaínha, caso ele
precisasse de ajuda durante a noite.
Por ser deficiente físico, seu mundo se resumia, praticamente, àquele
quarto.
Eu sempre queria fazer alguma coisa por ele, mas não era muito
recomendável, pois, um dia fui pôr um bombom na sua boca, e naquele exato
momento, pousou um mosquito!
Ele me disse que comeu com mosquito e tudo!
Ai, meu Deus!
Até hoje, ainda penso nisso, em dúvida: “será mesmo que o mosquito
não voou para fora, antes dele fechar a boca?”
Durante muito tempo, sem acreditar, eu perguntei se ele não tinha
me enganado, se ele tinha engolido mesmo o mosquito, mas infelizmente, ele
nunca mudou sua versão da história.
Acabamos rindo da situação.
Foi depois daquilo, que descobri que ser cuidadora, não é bem “a
minha praia”.
Ele foi meu companheiro em todas as horas,
Gentil, sensível, com uma sabedoria incrível, e um enorme bom-humor.
Não me lembro de nenhum dia que ele estivesse de “baixo astral”.
Ao contrário, estava sempre nos pondo ”levantando a nossa bola”!
Acho que ele foi um dos grandes responsáveis, pelo fato de eu sempre
olhar o lado bom da vida, por pior que as coisas possam parecer.
Depois de muito tempo, questionei, se ele alguma vez, se sentiu
frustrado por ver a gente, meu irmão e eu, aprendendo andar de bicicleta,
passando pela porta de saída do seu quarto, e pelo jardim em frente a parede
envidraçada, e pedindo para ele nos ajudar a contar quantas voltas deu cada um.
Não só para não haver injustiça, mas também, como forma dele participar das nossas
brincadeiras
Tenho muitas lembranças gostosas dos momentos que passei com ele,
até jogar dama, ela jogava, indicando para nós, a peça que ele queria
movimentar, e na maioria das vezes, ele ganhava, o danado!
Era muito inteligente.
Ele tinha amigos que tocavam violão e a gente cantava junto...
Quando a Nancy, sua irmã, começou a tocar violão, foi uma delícia.
A casa de praia, em São Francisco da Praia, em São Sebastião, fica
encrustrada entre a BR 116 e o mar.
Meu tio comprou esta casa, principalmente, para lhe proporcionar
mais uma alegria, e eu, assim como meu irmão e meus pais, estávamos sempre por
lá.
Foi ao lado dele, que aprendi a nadar.
O cuidador o levava no colo, com uma bóia de borracha preta, de
pneu até o mar, e colocado em uma bóia feita de câmara de pneu, e eu ia junto,
aprendendo a me mexer na àgua e direcionar a minha bóia.
Lá, o mar é calmo, porque fica no canal entre a São Sebastião e a
Ilhabela, e por conta disso, quase não tem ondas.
Isso facilitou muito para que aprendêssemos a nadar, mergulhar,
etc...
A minha mãe, quase morreu do coração, quando um dia, resolvi ir
até o barco, atrás do meu tio, que nadava ao lado do pequeno barco de motor de
popa, ancorado no fundo, em frente à casa, e do Eloy, em sua bóia.
Meu irmão e a Nancy, que estavam no barco, me ajudavam a subir,
para que eu pulasse, de bóia, de volta pra agua. Eu já fazia isto, antes mesmo
de aprender a nadar sem a bóia.
Eu me lembro, também tive o privilégio de conviver com eles.
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