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São Paulo, SP, Brazil
Uma deficiente visual (Retinose Pigmentar), que vê a vida, como um presente à ser desfrutado.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A vida por 1 ponto de vista - Cap V


Procurando o coelhinho

T

Quando eramos pequenos, tivemos muitas Pascoas inesquecíveis.

Meu tio Cláudio, e minha tia Ignês, sempre nos convidavam (meu irmão e eu), para dormir na casa deles, nas vésperas dos domingos de Páscoa.

Meu tio, tinha uma paciência enorme, para preparar surpresas para nós, e seu filho: meu primo, quase irmão, “Niltinho”.

Na verdade, ele é meu irmão de leite, pois, nasceu uma semana depois de mim, e  como minha tia não tinha leite, minha mãe amamentou os dois.

Meu tio, forjava pegadas de coelhinho, com os 3 dedos do meio, sujos de farinha de trigo, até os canteiros das plantas, para que a gente procurasse os ninhos de ovinhos de chocolate.

Ele nos acordava cedinho, ao amanhecer, muitas vezes com um friozinho razoável...

Meus tios também se divertiam ajudando a mim e ao meu irmão, que tínhamos dificuldades de encotrar os ninhos, já que o “Niltinho” não precisava de ajuda.

Quando tínhamos mais tempo livre, na Semana Santa, íamos pra Campos do Jordão, na casa do tio Vicente, irmão mais velho do meu pai.

Era muito gostoso, porque eran poucas, as oportunidades, durante o ano, que a gente tinha “curtir” os primos que moram em São Paulo.

O jardim da casa de campo do meu tio Vicente, é enorme, e a dificuldade para procurarmos os ovinhos de chocolate e marzipã, eram ainda maiores, por isso, nossos pais e tios, sempre nos monitoravam para que o resultado das buscas, fosse justo e democrático, entre todos os primos.

Estes, e outros feriados prolongados, assim como as incontáveis férias que passamos com nossos primos, foram muito, muito importantes para mim, pois fazem parte dos momentos felizes e inesquecíveis da minha infância.

 

quinta-feira, 21 de maio de 2015

A vida por 1 ponto de vista - Cap IV


Nosso caminho, nosso destino

 

Minha mãe, sempre foi uma mulher de muita fibra, dona de um bom senso ímpar, e acima de tudo, dotada de uma grande sabedoria.

Sempre buscando evoluir, com sede de aprender, observadora...

            A primeira, grande e mais importante lição, foi:

           — Não tenha vergonha de pedir ajuda, e explicar que você tem um problema visual.

            Isto fez com que eu me sentisse apta à fazer absolutamente tudo, e quase nem perceber a extensão da minha deficiência; e principalmente, da minha dependência.

            Cercada de parentes e amigos acostumados desde sempre, a me ajudar, tudo se tornou tão automático, que eu nunca questionava, como tudo seria se fosse diferente, outro contexto: sem qualquer deficiência.

Existe alguém no mundo que não tenha alguma deficiência?

Elas determinam os caminhos do nosso destino.

 

terça-feira, 12 de maio de 2015

A vida por 1 ponto de vista - Cap III


Quanta imaginação!

 

Quando mudei, com a minha família, para Apiaí, uma cidade do interior do estado de São Paulo, criei o hábito de escrever muitas cartas para os meus amigos e parentes, e depois, quando voltei a morar em Poá, só inverti a direção dos destinatários.

Troquei correspondências com os meus amigos de Apiaí, por muito tempo.

Infelizmente este hábito foi escasseando, até pararmos.

Uma pena!

Sinto muitas saudades dos meus amigos de lá, e tenho muito poucas notícias deles.

Como eu sempre gostei de escrever, a Elayne, minha amiga de infância, vivia dizendo que eu deveria escrever um livro, mas eu nunca me senti com imaginação suficiente para isto.

Acho que fui perdendo o senso criativo ao longo do tempo.

A minha mãe sempre conta que desde muito pequena, além de ser muito tagarela, tinha uma imaginação fértil, e se eu cultivasse isto, sem a censura que a gente vai adquirindo ao longo dos anos, acho que eu seria uma escritora de enredos rocambolescos...

Ela tinha uma tia, que fez uma viagem com a gente, e ficou tão encantada comigo, que sugeriu que a sua neta tivesse meu nome, e a nora grávida, aceitou a sugestão,

Nesta viagem, eu ficava falando o tempo todo, como se tivesse contando uma história, e ia acrescentando tudo o que via, ou com a ajuda da minha mãe, na história.

Eu via uma vaquinha, e falava:

— A menina, tinha uma vaquinha...

E minha mãe perguntava:

— De que cor?

E eu descrevia a vaquinha:

— Branca e preta, com um rabo comprido, e andava atrás da menina...

Depois eu via uma árvore:

— E elas foram até uma árvore, e sentaram na sompra pra descansar...

E vendo uma casa...

— depois voltaram para a casa da menina...

E minha mãe::

— Como era a casa da menina?

E eu contava:

— Branca, com a porta e as janelas pintadas de vermelho...

E assim, a viagem longa, foi passando rapidamente, e me distraindo, eu não me sentia enjoada.

O que acontecia muito, e a minha mãe tentava evitar de todas as maneiras possíveis, inclusive aguçando a minha imaginação.

Boa tática.

Na maioria das vezes, funcionava.

 

Uma das histórias que minha mãe sempre conta, é que eu estava brincando de casinha, de faz-de-conta, na sala da casa da minha avó Júlia, que até hoje a gente chama de sobradão, e no meu mundo de faz-de-conta.

Ofereci café pra todos que estavam na sala, provavelmente imitando a minha mãe, me dirigindo de de um por um:

— Aceita um cafézinho...?

— Aceita um cafézinho...?

— Aceita um cafézinho...?

Depois parava no meio da sala, como a minha mãe, e olhava para cada um, contando:

— Um... Dois... Três... Quatro...

— Então... São cinco cafezinhos.

E ia em direção á mesa da sala de jantar, e fingia colocar o café nas xicaras, fingia pegar o açucareiro e colocar o açúcar, e mexer...

Continuando a cena imaginãria, coloquei tudo na bandeja, e voltei para a sala fingindo servindo o café, um por um.

Enquanto fazia isso, tocaram a campainha, e como estava em pé no centro da sala, minha mãe falou:

—Sil, veja que está no portão.

Eu olhei para as minhas mãozinhas vazias, na posição de quem está segurando uma bandeja, e titubiei, olhando em redor.
Todo mundo percebeu que eu estava procurando um lugar para apoiar a bandeja invisível... E caíram na risada.

terça-feira, 5 de maio de 2015

A vida por 1 ponto de vista - Cap II


Quando tudo começou

 

— É bom a senhora ir aprendendo Braille, porque o seu filho vai ficar cego, antes mesmo, de chegar á idade escolar.

Minha mãe ouviu isto, e sentiu como se uma bomba caísse bem em cima da sua cabeça; como se um buraco enorme se abriu sob seus pés, e ela foi caindo,  caindo...

Ela sempre sonhou em casar com o primeiro e único amor da sua vida, ter um casal de filhos, decorar seu lar, cozinhar para todos, costurar..., Enfim, ter uma família daquelas que inspiram os comerciais de margarina...

Até este momento, tudo corria conforme os seus planos, os seus sonhos. Inclusive, a gravidez do segundo filho (eu), tinha sido planejada, combinanda com a irmã, para que quando meus avós voltassem de uma longa viagem à Euroma.

Assim que meus avós chegaram, as duas deram as notícias: estavam grávidas!

Depois de ter um menino, meus pais gostariam que o segundo filho fosse uma menina, e...

Cheguei!

Uma tia, pegou nas minhas mãozinhas e comentou:

— Será que estas mãozinhas serão tão habilidosas quanto as da mamãe?

A vida corria naturalmente até que, quando eu já estava com 6 meses e meu irmão com 3 anos, nosso avô paterno, começou perceber que se alguma coisa estava fora do lugar, um brinquedo no meio do caminho, uma porta de armário aberta... Meu irmão batia, e muitas vezes, se machucava.

— Acho que este menino não está enxergando muito bem... Seria bom você leva-lo à um oculista.

E foi assim que o mundo dos meus pais, pareceu desmoronar.

Esse oftalmologista deu a notícia nua e cruamente, e perguntou se minha mãe tinha mais filhos, e continuou na sua insensibilidade:

— A senhora tem mais filhos? — ele perguntou sem sequer perceber o estado de choque da minha mãe.

Ela fez que sim, gesticulando com a cabeça e balbuciou:

— Uma menina de seis meses...

E o médico continuou, insensível:

— Provavelmente, a menina tem o mesmo problema: Retinose Pigmentear. Uma doença degenerativa e progressiva, que atinge a retina.

Minha mãe, voltou para casa, arrasada, e quando contou ao meu pai, resolveram pedir a opinião de um tio, médico.

— Calma. — Ele disse, tentando transmitir tranqüilidade — nos casos de um diagnóstico terrível como este, a gente deve sempre procurar, pelo menos, uma segunda opinião.

Ele continuou:

— É um colega do Hospital São Paulo. Um professor de oftalmologia, muito competente.

Ele pegou o telefone, dizendo:

— Vou ligar para ele, contar o que houve, e pedir que marque uma consulta para vocês.

Este oftalmologista, foi a melhor coisa que poderia acontecer em nossas vidas!

Foi Deus quem inspirou meu tio para que ele indicasso o doutor Renato de Toledo.

Ele não era apenas o nosso oftalmologista.

Durante 27 anos, ele foi um grande norteador das nossas vidas.

— Realmente, eles são portadores de Retinose Pigmentar. São manchas na retina, causadas pela falta de pigmentação, que comprometem o campo visual e a cegueira noturna — ele explicou para os meus pais, e continuou:

— No caso deles, as manchas na retina são perifériacas e não estão comprometendo a visão central, felizmente. Com 40% de campo visual, eles vão poder ter uma vida, praticamente, normal por muito tempo. Vamos segurar a doenãça com as mãos — e fez um gesto com as mãos, como se tivesse segurando um passarinho, delicadamente — com acompanhamento, vitaminas, etc...

— Como o caso deles é congênito (de nascença), a tendência, é que a evolução seja muito  lenta.

O primeiro grande conselho que o Dr Renato deu aos meus pais, foi:

— Muito cuidado com a superproteção. muito comum nestes casos. Deixe que ELES sintam os seus próprios limites.

Tão importante quanto este grande conselho, foi a coragem dos meus pais em acatá-lo.

Pelas circunstancias, infelizmente, meu pai só o reencontrou aos 40 anos, quando precisou usar óculos por causa da chegada da presbiopia.

Meus pais nos incentivaram a usar os óculos, e eu, que sonhava em ser professora, usaram o argumento perfeito.

— Voce vai ficar com cara de professora, usando seu óculos...

Minha mãe sempre lembra da primeira vez, em uma ótica que ficava ao lado do consultório do Dr Renato, a Casa Gomes,

Experimentei 2 óculos do mesmo estilo, modernos, quase iguais, mas um era nacional, outro importado que custavam cinco vezes mais caros.

Gostei dos importados, sem saber.

Minha mãe tentou me convencer de que eram praticamente idênticos, mas eu respondi, no “alto da sabedoria” dos meus 7 anos:

Ah, mas estes são muito mais confortáveis...!

O dono da ótica e minha mãe, se entreolharam e não conseguiram conter as risadas.

Assim, tivemos uma infância rica em aprendizados, tombos, joelhos estourados, como qualquer criança.

Aprendemos andar de bicicleta, patinar, etc,,, Apenas. não podíamos fazer esportes. Mas as escolhas foram sendo feitas naturalmente.

Meu irmão e eu, bem que tantamos, jogar tamboréu (um tipo de tênis), mas eu nunca consegui acertar UMA bolinha!

Passávamos mais tempo montando a rede na quadra que fazia parte da propriedade dos meus avós, onde morávamos, e que virou um espécie de condomínio familiar, do que jogando.

Enfim, o diagnóstico daquele primeiro médico, graças â Deus, não se cumpriu, e nunca nos sentimos diferentes dos outros, embora tivéssemos verdadeiros “anjos-da-guarda” que nos auxiliavam o tempo todo, isto acontecia de forma natural e imperceptível.

Acho que posso dizer que a Retinose fez com que tivéssemos vivencias ricas e divertidas, que se transformaram em histórias para serem contadas e sempre relembradas.

 

Reflexões

Para cima, e para o alto!



Se um dia, menino

A vida lhe pega

Andando sem tino

Caindo na pedra



Não fica, menino

Por causa da pedra

Como o corpo fechado

Com um corpo de pedra



Um dia essa pedra

Com mêdo de alguém

Com o corpo em queda

Pode ir além

De um poço sem fim



Não fica, menino

Por causa da pedra

Com o corpo fechado

Com um corpo de pedra



Silvann@____