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Uma deficiente visual (Retinose Pigmentar), que vê a vida, como um presente à ser desfrutado.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

A vida por 1 ponto de vista - Cap VII


A casa da vovó Anna

 

As lembranças mais marcantes da minha infância, estão intrinsecamente ligadas às 3 casas: a dos meus pais, a da minha avó paterna, Anna, e a do tio “Filico”, irmão do meu pai.

Isto porque, elas faziam parte do mesmo lugar, que foi subdividido, mas era uma só propriedade, dos meus avós paternos.

Infelizmente, meu avô faleceu 2 meses antes do meu nascimento.

Esse lugar, atualmente, poderíamos chamar de um condomínio familiar, de casas; com a diferença, de que uma parte área pertencia ao meu tio Vicente, irmão mais velho do meu pai, que morava em São Paulo. O terreno era foi transformado em pomar, milharal, horta e uma quadra onde aprendi a andar de patins e que a família e amigos usavam para jogar tamboréu, uma espécie de tênis, nos finais de semana. Houveram até campeonatos...

Um senhor, que chamávamos de “seu” Salvador, cuidava dos plantios e das colheitas, levava as verduras e frutas já limpinhas, para a minha avó, minha tia e minha mãe.

A casa grande, dos meus avós, fica na esquina da Rua Vicente Guida (nosso bisavô), com a Praça José Guida, em homenagem ao meu avô, quem  doou uma parte triangular do seu terreno, para que a prefeitura passasse uma avenida e construísse esta praça.

Meu tio Fábio com seus infinitos dons artísticos, desenhou o projeto dessa praça, em formato triangular com um traçado incrível, com caminhos sinuosos, que circundavam canteiros com plantas, árvores e um grande caramanchão central.

 Neste caramanchão com pilares de sustentação das vergas trabalhadas como esculturas, subiam trepadeiras, que estavam sempre carregadas de flores amarelas, se não me engano, chamadas de: adamandas ou alamandas.

Era lindo, mas infelizmente o caramanchão foi destruído, e a praça, descaracterizada.

É uma pena que no Brasil, temos tão poucas pessoas que respeitam e preservam a história.

Eu ainda sonho com a reconstrução daquele caramanchão, e a recupuração daquela antiga praça que faz parte não só da minha história mas de histórias de muitas famílias que usufruiram do ambiente mágico daquela praça.

No mesmo terreno da casa grande, do meu avô, foram construídos ao longo da rua lateral, a rua Vicente Guida, a casa do caseiro e uma garagem, com saídas independentes; um salão de jogos e um galinheiro com acesso por dentro da propriedade mas construídos no limite da rua.

O galinheiro era construído na parte lateral do salão de jogos, com três paredes de alvenaria e fechado por um alambrado com um portão central.

No fundo, um tipo de viveiro suspenso para proteger as galinhas e seus ovos, da depedração dos gambás e outros animais que costumavam ataca-las durante a madrugada.

O acesso das galinhas ao viveiro, era feito por uma espécie de rampa de madeira com mini-degraus, que as galinhas usavam no final da tarde para se recolher aos seus ninhos.

Meu tio Vicente, projetou um sistema que, quando elas botavam os ovos, eles rolavam para um local abaixo com uma forração de palha, fechado e protegido, com um acesso fácil para que a minha avó pudesse recolher os ovos.

Eu gostava muito de ouvir a minha avó contar sobre um cachorrinho, da raça fox paulistinha, que a ajudava a pegar a galinha escolhida: ela só ameaçava pega-la, e o cachorrinho a perseguia em meio a todas as outras galinhas, e a segurava, debruçado com as duas patas dianteiras sobre ela, esperando que minha avó a pegasse.

Quando meu avô morreu, foi feita a divisão do terreno, e essa parte ficou para o meu tio “Filico”, e para a minha avó não perder a sua independência e privacidade, foi contruída uma casinha muito charmosa, para ela.

Um verdadeiro bangalô,  gostoso e aconchegante.

A janela do quarto e o vitrô da sala, com uma linda jardineira de gerânios vermelhos, recebiam o sol da manhã. Eram voltados para o leste, onde fica a casa grande, que tinha um terraço, e entre eles uma espécie de átrio, com uma grande figueira rodeada por um canteiro de lírios amarelos.

O muro baixo com pilares pequenos, robustos e trabalhados em cimento, foi feito apenas em uma pequena extensão das laterais, até a direção onde começava a casa gramde, e na parte da frente, com um portãozinho baixo, para a entrada social da casa grande, pois ficava em frente à praça.

Na continuação das divisas laterais, rua de um lado e terreno do tio Fábio do outro, uma mureta baixa com alambrado, apoiava uma linda cerca-viva de hibiscos vermelhos, e no chão, escondendo a pequena mureta, um canteiro de lírios amarelos acompanhava toda a cerca-viva.

Apenas do lado da casa da minha avó, no final da cerca-viva, tinha um portão de acesso à rua. Era esse o portão mais usado, pois era o mais próximo à casa grande e a da minha avó, e principalmente à garagem onde meu tio guardava o carro.

Outra figueira ficava na direção da janela do quarto da Nancy, minha prima e dava uma deliciosa sombra, para uma grande mesa e um banco esculpidos em cimento, todo rebuscado, pelo meu avô.

Hoje eles enfeitam um recanto no jardim dos fundos da casa da minha mãe, como verdadeiros troféus, com valor estimativo incalculável.

A entrada da sala da casa da minha avó, tinha uma espécie de hall aberto, ou uma micro-varanda, que protegia a porta e tinha uma minúscula jardineira de gerâneos vermelhos, como aquela que ficava embaixo do vitrô da sala.

Ah... Eram lindos...!

Tanto no pilar da mini-varanda, como na grande figueira, foram colocados ganchos, onde a minha avó estendia uma rede e ficávamos ouvindo rádio, aprendendo alemão, ou simplesmente conversando.

Eu adorava ouvir as histórias que a minha avó nos contava...

Nas partes pavimentadas entre esse jardim e o da frente da casa grande, as partes pavimentadas nos permitiam andar de bicicleta, e até, de patins.

Foi neste lugar que aprendi a andar de bicicleta, em uma Hercules, enorme, preta, linda... da Nancy.

Era tão grande, alta, e eu, tão pequena e franzina, qua mal alcançava os pedais, e o guidom ao mesmo tempo.

O selim, então, nem pensar. Ou eu sentava, ou pedalava.

Âs vezes eu dava bastante impulso e depois em uma parte que tinha um discreto aclive, eu sentava no selim, e até arriscava a colocar os pés no guidom, e “curtia” o vento batento no meu rosto...

Ah, que delícia...

Isto é felicidade!!!

Muitas vezes, tentava andar em uma bicicleta do “Luisão”, o cuidador do meu primo, Eloy.

Era daquelas bicicletas masculinas, com cano no meio.

Foi assim, com ele, que eu e meu irmão, começamos a aprender a andar de bicicleta. Logo depois, no  Natal, ganhei a minha tão sonhada  bicicleta, com rodinhas, mas eu não conseguia confiar nelas...

Nos jardins daquela casa, todos os espaços que não tinham árvores, canteiros e gramados, tinham espaços grandes e caminhos, melhores e muito mais interessantes do que uma simples ciclovia.

Foi lá também, que aprendi a andar de patins.

Na quadra, não tinha onde me apoiar, já que era rodeada por gramado, então, até pegar um pouco de segurança, eu me apoiava nas paredes da casa, e andava na calçada que a rodeava.

Muitas vezes, de bicicleta, subíamos no gramado e contornávamos a arvore e o caramanchão...

A minha avó ficava uma “fera”, pois, não era preciso estragar o gramado, com tanto espaço disponível...

Agora sei, que criança é assim: sempre tem que buscar algo além do que os adultos já permiriam.

O grande gramado do jardim da frente da casa, era dividido por um caminho que levava até o portão principal, da frente da cssa, e em frente a praça.

No centro de um dos espaços gramados, tinha uma grande árvore,, redeada por um canteiro, e do outro, um caramanchão um pouco menor do que o da praça, também esculpido pelo meu avô, com uma mesa redonda, e um pé central, todo trabalhado, rodeado por um banco em semi-circulo, cujo encosto era a mureta toda trabalhada, do próprio caramanchão, que ficava no meio de um canteiro de hortênsias brancas.

Até a escadinha de quatro degraus, que dava acesso ao caramanchão, tinha corrimões laterais com balaústres trabalhados em cimento.

As trepadeiras de flores amarelas, subiam também ali naqueles pilares e vigas, quase formando um telhado de troncos, folhas e flores.

A garagem do meu tio, era incrustrada entre a casa da minha avó e a do caseiro, e tinha uma janelinha redonda, alta, com tela, na parede dos fundas da garagem, e da cozinha da minha avó.

Esta abertura permitia que eles se ouvissem, e conversassem rapidamente, caso ela estivesse na cozinha e ele, na garagem.

Ele chamava primeiro na frente, e se ela não respondesse, depois que saía pelo portão lateral, abria a grande porta da garagem, e a chamava por lá.

A gente ouvia ele erguer a grande e barulhenta porta de ferro da garagem e chamando a minha avó.

Até hoje, consigo me lembrar bem da voz do meu tio, o som da porta da garagem subindo...

Realmente o deficiente visual tem a vantagem de ter uma lembrança auditiva muito presente.

Ainda consigo me lembrar com nitidez, meu tio dizendo:

—Mãe...? ‘Tô saindo... Precisa de dinheiro...? Quer alguma coisa da rua...?

Ou:

—Mãe...? ‘Tô chegando!

Frequentemente, ela ficava esperando ele voltar.

Meu irmão e eu, dormíamos na casa da minha avó, frequentemente, e tentávamos esperar  pelo meu tio, acordados.

Meus tios e minha avó sempre nos acompanhavam até nossa casa, depois de anoitecer. Mas, muitas vezes, por estarmos juntos, meu irmão e eu dispensávamos a ajuda.

Assim  iamos os dois sem enxergar, pela calçadinha que ficava entre o milharal e os fundos da casa do tio Fábio, e terminava em um portãozinho nos fundos do terreno da nossa casa.

Meu irmão, talvez sem querer admitir seus próprios medos, me dava coragem, e dizia:

— Vamos cantamdo, como a vovó ensinou. Assim a gente não vai sentir medo. Ela dizia: “Quem canta, seus males espanta”.

E a gente interpretava como:

— Quem canta, está protegido de tudo..,

E assim, íamos cantando até chegar no portãozinho dos fundos do nosso quintal.

Ao lado direito um viveiro enorme, aonde tínhamos um papagaio, que sempre que a minha avó passava por ali, ele anunciava, com aquela voz rouca e estridente:

— ‘Vó Anna...? ‘Vó Ana? — ele chamava.

Uma manhã, minha mãe entrou chorando na cozinha, dizento que uma raposinha, ou um gambá, tinha atacado nosso querido “Louro” e deixado apenas sangue e penas espalhados por todo o viveiro.

Coitado!

Entre este viveiro e a casa tinha um caminho em curva, calçado, que dividia dois gramados: um, que tinha duas colunas de madeira, pintadas de vermelho. Cada coluna sustentava um viga, que  servia como base para vários fios de varal, e ao lado esquerdo uma cerca viva com hibiscos vermelhos que fazia divisa com o terreno da casa do tio Fábio; a parte com grama. servia como quarador.

O gramado do lado direito, tinha um balanço e o caminho para o galinheiro, que ficava entre a garagem e os fundos do terreno.

É incrível, que com tão pouca visão, me lembro de tantos detalhes, até a moldura do balanço, feita pelo meu pai, que assim como a base dos varais, era pintada de vermelho, combinando com as janelas e portas da casa para contrastar com o branco das paredes.

No escuro, víamos apenas as luzes, que vinham do vitro e da porta da cozinha que ficava sempre aberta.

Nesse momento já chamavamos pela minha mãe, avisando que estavamos chegando, e ela normalmente respondia, feliz e aliviada com nossa chegada, às voltas com a preparação do jantar...

Nós gostavamos muito, quando meus pais deixavam a gente dormir na casa da minha avó.

Quando meu tio voltava do trabalho, nos cinemas, passava pela casa dela e sempre que estavamos com ele, o clima era de festa... De farra...

Ele administrava um cinema em Poá, e outro em Suzano e ia quase todas as vezes, de um para o outro, na hora de abrir, e voltava para lá, quase na hora de fechar.

A gente sempre comentava, e admirava, a paciência dele, em tirar as roupas confortáveis, se arrumar todo para ir trabalhar, trocar de novo, para ficar em casa, e se arrumar de novo para fachar os cinemas.

Para mim, a casa deles era uma extensão da minha.

Só, que muito mais movimentada. Mais animada, pois meu tio era sempre muito divertido.

Eu ia depois do almoço, ver os meus primos, e assistir televisão com eles.

Assistíamos com ele, na TV: A feiticeira, Jeannie é um gênio, Agente 86, etc...

Era uma rotina deliciosa.

Inesquecível.

Meus pais sempre contaram que, contruiram a casa que fui criada, cuidando de cada detalhe, aos poucos, do jeitinho que eles sonharam.

Mas, assim que ela ficou pronta, minha tia, casada com meu tio Vicente, o mais velho e mais respeitado, pediu para que meus pais cedessem a casa deles, por uns tempos, para o tio “Filico” e sua família, para que o Eloy, meu primo paraplégico tivesse mais conforto.

Minha mãe, com sua generosidade inata, nem pestanejou, e meu pai a admirou ainda mais, por sua atitude tão altruísta.

Não me lembro desta fase, nem com quantos anos eu estava, quando fomos morar na nossa casa.

Todas as lembranças de infância, já são de quando morávamos na nossa casa, e meus tios e primos, na casa grande, da esquina, que tinha sido dos meus avós, e passado por algumas reformas.

Uma das coisas que mais gostávamos, era de dormir na casa das nossas avós...

Uma vez, na casa da vovó Anna, levantei de noite pra fazer xixi, e nem acendi a luz.

Estava tão acostumada com a casa...

Quando fui lavar as mãos, percebi que tinha um copo na pia e aproveitei para tomar um copo dàgua.

Enchi o copo e quando fui beber...

Que susto!

Levei uma mordida no lábio superior, da dentadura da minha avó que ela deixava no copo, durante a noite, e eu não sabia.

Acho que ninguém sabia...

Eeeeeca!!!

 

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Reflexões

Para cima, e para o alto!



Se um dia, menino

A vida lhe pega

Andando sem tino

Caindo na pedra



Não fica, menino

Por causa da pedra

Como o corpo fechado

Com um corpo de pedra



Um dia essa pedra

Com mêdo de alguém

Com o corpo em queda

Pode ir além

De um poço sem fim



Não fica, menino

Por causa da pedra

Com o corpo fechado

Com um corpo de pedra



Silvann@____